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A modernidade e a Igreja católica

2.3 Compromisso social do catolicismo conservador

Paralelamente à condenação da modernidade, manifestou-se, tanto na Europa como no continente americano, um compromisso progressivo dos católicos conservadores contra a “questão social”. Várias propostas e diversas denúncias  tinham em comum a rejeição contundente do liberalismo individualista e do socialismo, associado com o uso da violência. Em 1848, Frederico Ozanam lançou seu chamado “Vamos aos bárbaros e sigamos Pio IX”; os “bárbaros” eram os trabalhadores – considerados perigosos por muitos cristãos – acuados pela mecanização e cujas necessidades Ozanam conhecia bem. Seguiram as advertências de numerosos bispos: Dom Wilhelm Ketteler, em Mainz, o bispo Maurice de Bonald, em Lyon, o arcebispo Henry Edward Manning, em Westminster, o então bispo Vincenzo Pecci, em Perugia, futuro Leão XIII, apelando ao compromisso dos leigos católicos. Os objetivos eram a defesa da Igreja, acossada em várias frentes, e a reconquista da sociedade para Cristo.

Embora o catolicismo social nascente incluísse várias tendências, a corrente mais antiliberal prevaleceu, em parte como resultado das revoltas de 1848. Neste contexto, houve o encontro das várias fontes do catolicismo social. Prisioneiros durante a guerra franco-prussiana, os franceses Albert de Mun e Rene de la Tour du Pin descobriram o catolicismo social alemão e a figura de Mons. Ketteler. Uma vez livres, De Mun e La Tour du Pin promoveram os Círculos Católicos de Operários na França. Esta obra se difundiu por toda a Europa e contribuiu significativamente para a recristianização das classes dominantes e o fortalecimento dos núcleos de operários cristãos.

A coordenação do catolicismo social europeu foi estimulada a partir da queda de Roma, com a associação de leigos católicos conservadores, muito próximos às questões sociais. Em outubro de 1870, com o apoio papal, surgiu em Genebra o “Comitê de Defesa Católica”, também chamado “Comitê de Genebra”, presidido por Mons. Gaspard Mermillod, bispo auxiliar de Lausanne-Genebra. Composto por importantes católicos da Áustria, França, Suíça, Bélgica e Países Baixos, o Comitê desenvolveu duas tarefas importantes: por um lado, a publicação do jornal Correspondance de Genève, que  transmitia informações que vinham secretamente do Vaticano; por outro, o impulso da sociedade católica através de contatos permanentes com comitês católicos europeus e com o Vaticano. A partir de 1871, os membros do Comitê denominaram-se “Internacional cristã ou católica”, e “Internacional Preta” e a “questão social” ocupou uma posição privilegiada entre os temas das suas reuniões anuais. Eles argumentavam que o grande desafio social da Igreja era o combate à pobreza e recomendavam um maior compromisso social do clero, o estabelecimento de associações de trabalhadores cristãos, a organização de conferências populares, a criação de uma imprensa popular e, acima de tudo, “a restauração do direito público cristão”, fundamento social indispensável. Em 1875, o Comitê aprovou o princípio do intervencionismo social do Estado e pediu aos católicos para promover o controle do trabalho de mulheres e crianças, melhorar a habitação dos trabalhadores e preservar o descanso dominical.

Personalidades vinculadas ao Comitê de Genebra ou seus congressos integraram os círculos de estudo e comissões que deram origem à União de Friburgo, presidida por Mermillod, criada em 1885 e ativa até 1891. Sob a influência da Escola vienense e de La Tour du Pin, a União de Friburgo deu forma ao corporativismo organicista que era  frontalmente oposto ao capitalismo liberal. Com laços com o antigo Comitê de Genebra, este laboratório de ideias influenciou, em alguns aspectos, a preparação da encíclica Rerum Novarum e a definição da doutrina social da Igreja, que incluia, também, elementos mais democráticos (LAMBERTS, 2002, p.15-101).

3  A modernidade e a Igreja Católica na América Latina

3.1  Consolidação dos Estados e das Igrejas

Ao complexo início da vida independente dos jovens estados ibero-americanos, seguiu-se o desenvolvimento de dois processos paralelos de concentração de poder. Por um lado, no nível do governo civil, houve a consolidação gradual do poder do Estado nas novas nações. Por outro, as autoridades eclesiásticas reivindicavam a sua autonomia e se aproximaram gradualmente de Roma, o que envolvia a revisão do conceito histórico do padroado régio. Como resultado, se multiplicaram os conflitos em torno dos dois eixos, a diferente interpretação do alcance jurídico do direito de padroado e a concepção também diferente de Igreja, para uns, uma instituição dependente do Estado, para outros, uma sociedade independente e soberana.

Nos confrontos das autoridades eclesiásticas, zelosas de sua autonomia, com as reivindicações dos governos republicanos para serem herdeiros do padroado real, o apoio da Santa Sé foi decisivo. Além disso, a defesa do ultramontanismo e as duras condenações às ideias liberais por parte do papado provocaram a crescente rejeição dos grupos intelectuais, dos líderes políticos e de todos aqueles que interpretavam as posições do Vaticano e das Igrejas locais como um anúncio do afastamento – e até  ruptura – com a modernidade.

Este processo de consolidação das Igrejas católicas locais, em comunhão com o papa, ocorreu através de instrumentos precisos. Além da presença, em algumas cidades, dos legados papais, pode-se mencionar, também,  o trabalho constante para uma melhor formação do clero, através do estabelecimento ou restabelecimento de seminários, muitas vezes sob a direção da Companhia de Jesus, e a formação de sacerdotes em Roma. Neste sentido, em 1858, foi fundado o Colégio Pio Latino-americano, sob responsabilidade dos padres jesuítas, que recebeu seminaristas de todo o continente, futuros bispos e formadores do clero. Também se desenvolveram a imprensa católica, os centros culturais e os centros de ensino católicos, com o objetivo de atingir todos os níveis socioeconômicos. A chegada de numerosas congregações religiosas de vida ativa, dedicadas à educação ou ao trabalho social, vindas da Europa, foi outra contribuição fundamental neste período. Analogamente, seguindo o modelo europeu, se organizaram Congressos Católicos com importante participação do laicato: em Buenos Aires, em 1883, em Montevidéu, em 1889, no México, em 1903. Por fim, os bispos latino-americanos reafirmaram sua lealdade a Roma com a participação no Concílio Vaticano I – 48 dos 700 participantes eram da América Latina – e no Concílio Plenário Latino-americano em 1899 (LYNCH, 2000, p.78-79).

Durante todo este processo, foi determinante o papel dos bispos, que marcaram profundamente as igrejas locais. Uma geração de prelados nomeados pelo Papa Pio IX a partir do final da década de 1840 caracterizou-se por um forte perfil missionário, por sua proximidade com Roma e pelos confrontos com os governos liberais, que muitas vezes culminaram com o exílio. Em 1847, Rafael Valentin Valdivieso foi nomeado arcebispo de Santiago do Chile; em 1852, Silvestre Guevara e Lira foi nomeado arcebispo de Caracas; em 1853, Pedro Espinosa e Davalos assumiu como bispo de Guadalajara (México) e como primeiro arcebispo em 1863; em 1854, Mariano José de Escalada foi nomeado bispo de Buenos Aires e, em 1866, primeiro arcebispo. Todos participaram do Concílio Vaticano I. Sob a liderança de Leão XIII, se consolidou uma nova geração, formada no Colégio Pio-Latino-americano, doutorada na Universidade Gregoriana e mais comprometida com a ação educativa e social da Igreja. Entre eles estavam os participantes do Concílio Plenário Latino-americano: Pedro Rafael González e Calixto, bispo de Ibarra em 1876 e arcebispo de Quito em 1893; Mariano Soler, bispo de Montevidéu em 1881 e primeiro arcebispo em 1897; Jerônimo Tomé da Silva, bispo de Belém do Pará desde 1890 e arcebispo de Salvador em 1893.

Todos representavam, nas palavras de Christopher Clark, o “Novo Catolicismo”, cujo discurso reafirmou a influência “civilizadora” da Igreja Católica ao longo da história ocidental. O cristianismo era sinônimo de civilização e a melhor sociedade possível era a fundada na fé cristã, na prática das virtudes religiosas e na presença docente e orientadora da hierarquia católica.

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