2. O amor ao próximo
O autor inicia 1Jo 3,11-24 – a nova seção da carta, paralela a 1Jo 2,3-11 (que traz como tema o mandamento do amor fraterno) – com o princípio fundamental da ação cristã: “Porque esta é a mensagem que vocês ouviram desde o princípio: que nos amemos uns aos outros” (1Jo 3,11). O mandamento do amor ao próximo, vivido e transmitido por Cristo Jesus, o Messias encarnado, opõe-se à prática de patronato e de clientelismo. Esta prática usa os pobres e busca mantê-los na pobreza e na dependência, beneficiando de fato os poderosos, que agem geralmente impulsionados pela busca desenfreada de bens, poder, prazer e honra do mundo do Maligno (cf. 1Jo 2,12-17).
Para sublinhar a oposição entre o amor e o ódio, a história de Caim e Abel (cf. Gn 4,1-8) é lembrada: “Não façam como Caim, que pertencia ao Maligno e assassinou seu irmão. E por que o assassinou? Porque suas obras eram más, e as do seu irmão eram justas” (1Jo 3,12). O amor fraterno e o ódio homicida! Quanto mais o amor fraterno do Messias encarnado for acolhido e vivido, mais será combatido o mundo do Maligno.
Isso poderá fazer surgir o ódio e a inimizade, uma vez que a vida segundo os desejos e a ganância do Maligno é irreconciliável com a prática cristã. Daí acontece a perseguição: “E não fiquem espantados, irmãos, se o mundo odeia vocês” (1Jo 3,13).
A perseguição contra os cristãos é frequentemente relatada pela comunidade joanina: “Se o mundo odeia vocês, saibam que primeiro odiou a mim. Se vocês fossem do mundo, o mundo amaria o que é dele. Mas porque vocês não são do mundo, pois o fato de eu os ter escolhido é que separou vocês do mundo, por isso é que o mundo os odeia” (Jo 15,18-19). Há uma oposição entre Jesus Cristo e o mundo, entre o amor fraterno e o ódio ganancioso. A sociedade escravagista do mundo greco-romano e seus promotores não podem aceitar o testemunho da comunidade seguidora de Jesus, o “servo de Deus” (cf. Is 42,1-9).
A oposição entre Jesus Cristo (amar) e o mundo (odiar) antes aparecia acompanhada da oposição “estar na luz” e “estar nas trevas”: “Deus é luz, e nele não há trevas” (1Jo 1,5); “Quem diz que está na luz, mas odeia seu irmão, está na escuridão até agora. Quem ama seu irmão permanece na luz, e nesse não há ocasião de tropeço” (1Jo 2,9-10). O autor especifica que o tempo presente, o agora, vem acompanhado da oposição entre “vida” e “morte”: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos aos irmãos. Quem não ama permanece na morte” (1Jo 3,14). O amor gera “vida”, e o ódio, a vida sem solidariedade, com ganância e egoísmo, produz “morte”!
Ao descrever a antítese entre a vida e a morte, o autor insinua a gravidade dos desentendimentos e conflitos na comunidade. E o conflito provocado pelos anticristos na comunidade se acirra a ponto de eles serem acusados de ato homicida: “Todo aquele que odeia seu irmão é homicida, e vocês sabem que nenhum homicida tem a vida eterna dentro de si” (1Jo 3,15).
O termo “homicida”, utilizado apenas três vezes no Novo Testamento, aparece duas vezes na primeira carta de João (cf. 1Jo 3,15) e uma vez no evangelho: “O pai de vocês é o diabo, e vocês querem realizar os desejos do pai de vocês. Ele era assassino (homicida) desde o princípio e não esteve do lado da verdade, porque nele não existe verdade” (Jo 8,44a).
Em Jo 8,31-59, os opositores de Jesus, que julgam ter a verdade, querem matá-lo por sua prática libertadora, que rompe com a ordem injusta dos poderosos. Após ter acusado os anticristos de rejeitar Jesus e de viver o projeto do mundo (cf. 1Jo 2,12-28), o autor da primeira carta de João afirma que quem odeia o irmão é “homicida”, porque o ódio está no princípio do pensamento e da ação do mundo do Maligno, que provoca preconceito, discriminação, exploração, opressão e morte.