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Religião, crises e transformações
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Religião, crises e transformações

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Em seu último livro publicado no Brasil, o sociólogo francês Alain Touraine estabelece uma distinção interessante entre o divino e o sagrado. Situa o divino como uma dimensão do sujeito — o indivíduo da modernidade, livre e responsável como cidadão, que tem uma relação cada vez mais direta consigo mesmo. O que o torna sujeito é a interiorização de um princípio doador de sentido. Esse universo de sentido, que Touraine vai chamar de divino, era exterior ao indivíduo, situado numa transcendência separada do mundo humano, da experiência histórica.

Sua “tendência” profunda é ser interiorizado. Já o sagrado é a dimensão institucional, o controle dessa característica humana por parte dos grupos religiosos mediante instituições e práticas. Sagrado e divino são duas faces da religião e, mais especificamente, de uma igreja. Quando os dois se integram numa comunidade — e a cristandade é o exemplo histórico mais evidente —, as instituições religiosas manipulam a religião de acordo com seus interesses.
Quando se separam essas duas dimensões — o que, segundo ele, o cristianismo teria realizado —, então o divino, como qualidade do “sujeito”, sofre uma reviravolta: de legitimação de poder transforma-se em fonte de valores e aspirações morais. Touraine pensa essa distinção em termos políticos. Diz que Jesus representou o fim da religião como manipulação do divino para justificar o poder.
Não ignora, entretanto, que as instituições religiosas se reforçaram rapidamente, a ponto de o cristianismo não conseguir ter força suficiente para impedir uma teocracia. E isso gerou, nas palavras do sociólogo francês, tanto a liberação de um “espaço de transcendência onde brilhou um divino vivido como luz interior, íntima, permitindo uma comunicação direta, profética, mística ou de posse entre o divino e um indivíduo definido o menos possível em termos sociais”[8], quanto o seu inverso, “a tentação de conceber um mundo puramente materialista, ou seja, dirigido pelo interesse e o prazer”[9]. O capitalismo investiu pesadamente para suprimir todas as formas de controle — também as religiosas — cujos fins fossem estranhos à sua racionalidade econômica e com isso reforçou o materialismo. E hoje?

Hoje assistimos ao enfraquecimento das instituições religiosas e à afirmação de expressões menos institucionalizadas do sentimento religioso. A e a crença num partido, numa Igreja, numa nação etc. deixam o palco, e a pertença à sociedade perde sua força comunitária; o próprio comunitarismo atrai as massas. A sociedade não é mais sacralizada. O sagrado agarra-se, portanto, novamente às comunidades. Permanecem assim face a face emoções de tipo religioso, abertas ao exterior, ocupando-se com símbolos de universalismo, e comunidades sacralizadas, sobretudo quando se definem por raízes naturais: etnia, língua etc.[10]

O resultado “político” não é nada bom. A separação entre o apelo à força “divina” do sujeito e a gestão da economia e das instituições gera um individualismo cada vez maior; o mundo do sagrado se reduz aos instrumentos do poder e daí não tira nem reações afetivas nem força capaz de animar um debate de ideias mobilizador.

4. A religião absorvida

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