No campo da alta administração, a incorporação da “espiritualidade” é recorrente. Na revista Exame: “Deus ajuda? A espiritualidade está em alta no mundo dos negócios. Será mais um modismo ou vai transformar a vida das empresas?”[4]. Ou na Você, versão mais leve de Exame, na qual Richard Barrett prega o evangelho da espiritualidade no local de trabalho, “mas com uma diferença: sua abordagem é pragmática, quantificável e pé no chão”.[5]
A pergunta que se levanta é: trata-se do fim ou do renascimento da religião? Essa conjuntura confirma ou desmente o processo de secularização? Não se pode responder uma coisa ou outra sem critérios. O certo é que se assiste a uma reconfiguração da religião na sociedade, no interior de mudanças culturais abrangentes, constituindo o que, para simplificar, se chamou de pós-modernidade — fenômeno compreendido somente quando se sai dos esquemas tradicionais de interpretação da História e da sociedade próprios às igrejas.
É necessário sair desse mundo construído historicamente para sentir-se nessa pós-modernidade e, com base nela, entender a própria Igreja. O risco é sempre ver o outro lado — não religioso — da realidade como aquele que escapa, que está fora. Na verdade, pode-se perguntar sem pudor: quem está fora? O fato é que a religião se inseriu no mundo da mercadoria. Utiliza técnicas de marketing, diversifica suas ofertas, tem seus “nichos de mercado” e perde, cada vez mais, a capacidade de “mudar o mundo”, para usar um lugar-comum.
A recente crise econômica ilustra bem essa mistura em que se transformou o mundo religioso. No mesmo dia em que, na praça atrás da Catedral de Campinas, um grupo pentecostal sem identificação encenava uma peça de teatro que mostrava as ilusões de acreditar no poder do dinheiro, uma coluna de economia de um diário usava a linguagem religiosa para falar do momento: “pitadas de espiritualidade flutuam nos mercados, usualmente a quintessência do materialismo. (…) Os juros dos empréstimos só vão cair quando os governos restabelecerem a confiança, ‘que é algo sutil e espiritual’ (…). O custo do dinheiro envolve espiritualidade”[6].
Deve-se ter em conta esse quadro quando se busca entender as religiões no Brasil e especificamente o pluralismo religioso. Mais do que um renascer da religião, expressa a realidade da secularização, que adquire uma coloração particular em nosso meio. Nela não ocorre a indiferença religiosa, como nos países europeus, mas, sim, a indiferenciação religiosa. A modernidade, com seu ideário de liberdade individual, de responsabilidade pelo próprio destino, produz liberdade de escolha em praticamente todas as esferas da vida.
A sociedade em rede e a comunicação em escala global, situando culturas lado a lado, na forma de imagens que se sucedem vertiginosamente, relativizam verdades, transformando-as em opiniões, imagens, representações desvinculadas de um contexto que as enraíze em um tempo e um lugar. Agem sobre a consciência dos indivíduos, de modo a tornar realidade a ideia de que tudo vale, de que as questões vitais, ligadas ao campo dos valores, comportam respostas diferentes e igualmente válidas.
Fica evidente tanto uma unificação do mundo quanto uma fragmentação: a modernidade — sobretudo graças ao desenvolvimento tecnológico acelerado, ligado a uma cultura que privilegia o consumo como fonte de identidade — unifica o mundo. Este se torna “pequeno”, próximo, comum. Mas, ao mesmo tempo, essa unificação põe lado a lado “mundos culturais” distintos que se relativizam mutuamente. Esses dois aspectos têm impacto imediato no mundo religioso. Ele é feito de convergências e fragmentações; de continuidades e rupturas[7].