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Religião, crises e transformações
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Religião, crises e transformações

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A revista Rolling Stone trazia em uma chamada de capa: “Igreja pornô”. A matéria se referia a um grupo religioso que editava um site para dar conta de uma espécie de “pornografia não pornográfica”, uma espécie de homeopatia religiosa voltada a combater algo com o seu semelhante. De passagem, é preciso observar que a própria revista, uma espécie de porta-voz da contracultura, do movimento pacifista, hoje faz daquilo que alimentava essa postura o seu apelo mercadológico. Ou seja, seu nicho de mercado. No mesmo número, ao falar da capacidade de espionagem da Polícia Federal, a linguagem recorre à metáfora religiosa: “os ouvidos de Deus”.

No campo da alta administração, a incorporação da “espiritualidade” é recorrente. Na revista Exame: “Deus ajuda? A espiritualidade está em alta no mundo dos negócios. Será mais um modismo ou vai transformar a vida das empresas?”[4]. Ou na Você, versão mais leve de Exame, na qual Richard Barrett prega o evangelho da espiritualidade no local de trabalho, “mas com uma diferença: sua abordagem é pragmática, quantificável e pé no chão”.[5]

A pergunta que se levanta é: trata-se do fim ou do renascimento da religião? Essa conjuntura confirma ou desmente o processo de secularização? Não se pode responder uma coisa ou outra sem critérios. O certo é que se assiste a uma reconfiguração da religião na sociedade, no interior de mudanças culturais abrangentes, constituindo o que, para simplificar, se chamou de pós-modernidade — fenômeno compreendido somente quando se sai dos esquemas tradicionais de interpretação da História e da sociedade próprios às igrejas.

É necessário sair desse mundo construído historicamente para sentir-se nessa pós-modernidade e, com base nela, entender a própria Igreja. O risco é sempre ver o outro lado — não religioso — da realidade como aquele que escapa, que está fora. Na verdade, pode-se perguntar sem pudor: quem está fora? O fato é que a religião se inseriu no mundo da mercadoria. Utiliza técnicas de marketing, diversifica suas ofertas, tem seus “nichos de mercado” e perde, cada vez mais, a capacidade de “mudar o mundo”, para usar um lugar-comum.

A recente crise econômica ilustra bem essa mistura em que se transformou o mundo religioso. No mesmo dia em que, na praça atrás da Catedral de Campinas, um grupo pentecostal sem identificação encenava uma peça de teatro que mostrava as ilusões de acreditar no poder do dinheiro, uma coluna de economia de um diário usava a linguagem religiosa para falar do momento: “pitadas de espiritualidade flutuam nos mercados, usualmente a quintessência do materialismo. (…) Os juros dos empréstimos só vão cair quando os governos restabelecerem a confiança, ‘que é algo sutil e espiritual’ (…). O custo do dinheiro envolve espiritualidade”[6].

Deve-se ter em conta esse quadro quando se busca entender as religiões no Brasil e especificamente o pluralismo religioso. Mais do que um renascer da religião, expressa a realidade da secularização, que adquire uma coloração particular em nosso meio. Nela não ocorre a indiferença religiosa, como nos países europeus, mas, sim, a indiferenciação religiosa. A modernidade, com seu ideário de liberdade individual, de responsabilidade pelo próprio destino, produz liberdade de escolha em praticamente todas as esferas da vida.

A sociedade em rede e a comunicação em escala global, situando culturas lado a lado, na forma de imagens que se sucedem vertiginosamente, relativizam verdades, transformando-as em opiniões, imagens, representações desvinculadas de um contexto que as enraíze em um tempo e um lugar. Agem sobre a consciência dos indivíduos, de modo a tornar realidade a ideia de que tudo vale, de que as questões vitais, ligadas ao campo dos valores, comportam respostas diferentes e igualmente válidas.

Fica evidente tanto uma unificação do mundo quanto uma fragmentação: a modernidade — sobretudo graças ao desenvolvimento tecnológico acelerado, ligado a uma cultura que privilegia o consumo como fonte de identidade — unifica o mundo. Este se torna “pequeno”, próximo, comum. Mas, ao mesmo tempo, essa unificação põe lado a lado “mundos culturais” distintos que se relativizam mutuamente. Esses dois aspectos têm impacto imediato no mundo religioso. Ele é feito de convergências e fragmentações; de continuidades e rupturas[7].

Ademais, esse quadro abrangente tem influência direta na interpretação que se faz do quadro religioso brasileiro: sua marca é a indiferenciação religiosa ou, ao contrário, há uma religião majoritária e uma série de religiões marginais? Ainda que se admita a indiferenciação, há mais continuidades ou rupturas? Ou um terceiro caminho: a própria religião se “seculariza” radicalmente, tornando-se uma mercadoria a mais, sujeita às regras de proteção ao consumidor? Embora sejam ainda relativamente esporádicos, há casos de recursos ao Procon por parte de pessoas que se sentiram lesadas ao pagar caro por “remédios” religiosos ineficientes para solucionar seus males (emocionais, físicos e financeiros).
2. Olhando os números

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