O livro de Daniel descreve a vinda do Filho do homem, contraposto às quatro feras: “As quatro feras enormes são os quatro reinos que surgirão na terra. Porém, os santos do Altíssimo é que receberão o reino e o possuirão para sempre” (Dn 7,17-18). No contexto do livro de Daniel, escrito no segundo século a.C., quando o povo de Israel estava sendo perseguido, as quatro feras representam os quatro impérios perseguidores do povo de Israel (Babilônia, Medo, Pérsia, o império de Alexandre Magno e de seus sucessores).
Na visão apocalíptica, as quatro feras serão mortas e desaparecerão diante do Filho do homem, que simboliza os “santos do Altíssimo”, os israelitas fiéis. Ele vai entre ou com as nuvens até Deus, representado sob os traços de um ancião, será entronizado como rei poderoso e seu reino não terá fim. É a fé que sustenta a esperança do povo fiel em crise.
Na tradição judaica posterior, o Filho do homem torna-se o representante e o modelo do povo fiel dos santos e é identificado com o messias davídico:
Veja, Senhor, e levanta-lhes o rei deles, filho de Davi, para reinar sobre Israel, seu servo, no tempo que escolheste, Deus. Guarneceste-o com o poder para destruir os governantes injustos, para purificar Jerusalém dos gentios que a pisaram para destruir; para expulsar com sabedoria e justiça os pecadores da herança; para abater a arrogância dos pecadores como a jarra do oleiro; para quebrar com vara de ferro toda a substância deles; para destruir as nações ímpias com a palavra de sua boca; para fazer as nações fugirem da sua face ameaçadora, e expor os pecadores pela palavra de seus corações: e ele ajuntará um povo santo, a quem dirigirá com justiça. E ele julgará as tribos do povo santificado pelo Senhor Deus deles (Salmos de Salomão 17,21-26).
Os Salmos de Salomão (dezoito salmos) são um apócrifo do Antigo Testamento, escrito provavelmente pelo grupo dos fariseus, por volta de 50 a.C. Seu conteúdo é messiânico, apresentando a ação salvífica do rei messias, da estirpe davídica, pelo povo santo de Israel.
Nesses salmos, os fariseus, que pregam a salvação pela observância das leis e dos ritos – circuncisão, sábado, jejum –, apresentam o messias que salva os puros e santos e condena os impuros e pecadores. Ele mesmo é puro e livre de pecado: “Ele próprio será purificado dos pecados, a fim de governar um grande povo, para lançar ao opróbrio os governantes e remover os pecadores pelo poder da palavra” (Salmos de Salomão 17,36).
Além disso, havia a mentalidade de que o messias sem pecado não morreria nunca! Por quê? Segundo a tradição judaica da época, a morte entrou na humanidade pelo pecado, provocada pela inveja do diabo: “Porque Deus criou o ser humano para a imortalidade e o fez à imagem da sua própria eternidade. Pela inveja do diabo, porém, a morte entrou no mundo, e aqueles que a ela pertencem a experimentam” (Sb 2,23-24). Apresenta-se um messias sem pecado e sem morte!
Em suma, os judeus acreditavam que o messias, rei davídico, viria para estabelecer um reinado definitivo de Israel. Sobretudo para o grupo de fariseus, a condição principal do messias era ser puro, justo e santo, como representante do povo santo de Israel no fim dos tempos. Um messias rei davídico e defensor da lei, que seria santo e eterno!
Sem dúvida, essa visão do messianismo dos fariseus deixou Paulo, um fariseu, em crise: como acreditar num messias crucificado e morto? Ele mesmo afirma: “Os judeus pedem sinais, e os gregos buscam sabedoria, ao passo que nós anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para as nações” (1Cor 1,22-23). Além do mais, Jesus critica a lei da pureza: ele vive no meio dos marginalizados, toca leprosos (Mc 1,32-42), come com os pecadores (Mc 2,15) e acolhe a mulher impura (Mc 5,25-34). São gestos e atitudes que desafiam a imagem do messias como defensor da pureza e da santidade, esperado pelos fariseus (Mc 7,1-7).
Pergunta-se então: como o fariseu Paulo aderiu ao movimento cristão, acreditando no Messias crucificado, Jesus de Nazaré, e o anunciando? Um Messias impuro e condenado à morte pelas autoridades religiosas da época, inclusive pelos fariseus. Por que motivo Paulo fez a passagem do messias rei davídico ou messias defensor da lei da pureza para o Messias crucificado? Da mudança ou conversão, ele mesmo fala num trecho da síntese do seu ensinamento, escrito em Fl 3,1-16. Na primeira parte, Paulo apresenta a sua posição anterior, no judaísmo:
E se alguém pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado no oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu filho de hebreus. Quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da Igreja; quanto à justiça que há na lei, sem reprovação (Fl 3,4-6).
Os fariseus insistem na observância da lei do puro e do impuro e nos ritos – circuncisão, sábado, jejum – como caminho necessário de salvação. Quem é justo é aquele que observa a lei da pureza segundo a teologia da retribuição, a teologia oficial consolidada, por volta de 400 a.C., pelos teocratas, as autoridades religiosas (cf. os livros de Ne, Esd, Lv etc.).
Para eles, Deus é único, poderoso e castigador e enviará o messias puro e santo, defensor da lei da pureza, para estabelecer o tribunal e determinar a salvação para todos. A missão dos fariseus, então, é eliminar a impureza e acentuar a santidade do povo para apressar a intervenção de Deus, no juízo final. E assim também Paulo, um fariseu, zeloso pela lei e perseguidor dos cristãos, que era considerado um grupo impuro.
No entanto, no contato com o movimento de Jesus de Nazaré – partilha, doação e fraternidade –, Paulo toma outro caminho de salvação: o Messias crucificado e a teologia da gratuidade:
Mas tudo o que para mim era lucro, agora considero como perda, por amor de Cristo. Mais que isso. Considero tudo como perda, diante do bem superior que é o conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele perdi tudo, e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo e ser encontrado nele. E isso não tendo mais como justiça minha aquela que vem da lei, mas aquela que vem de Deus e se baseia na fé. Quero, assim, conhecer a Cristo, o poder da sua ressurreição e a comunhão nos seus sofrimentos, assumindo a mesma forma da sua morte, para ver se de alguma forma alcanço a ressurreição dentre os mortos (Fl 3,7-11).