Miqueias é um dos profetas “escritores” de Judá, que fala e age com base nas necessidades e expectativas de seu grupo de apoio. A Bíblia testemunha, na história do reino de Judá, as atuações de outros profetas escritores, seus grupos de sustentação e suas funções sociais. É importante lembrar que os livros proféticos passaram por diversas releituras e receberam acréscimos:
a) Primeiro Isaías (Is 1-39): ele é profeta do templo e conselheiro de três reis, Joatão, Acaz e Ezequias (740-700 a.C.). Formado na escola de Jerusalém – a monarquia da casa de Davi –, suas palavras e ações estão orientadas pela teologia davídica: Javé, Deus absoluto e transcendente; a escolha divina de Jerusalém-Sião; a eleição divina da dinastia davídica; o rei filho de Deus e defensor dos pobres.
Com essa convicção, Isaías condena a aliança com as grandes potências (Assíria e Egito), propaga o rei justo (Is 9,1-6) e critica seus “colegas elitizados” de Jerusalém por oprimirem os pobres (Is 10,1-4). Como profeta do centro, ele defende a monarquia de Jerusalém como instrumento do Senhor Javé para construir um reino do direito e da justiça (Is 1,21-26).
b) Sofonias: sua atuação acontece na menoridade do rei Josias (640-620 a.C.). Como profeta da periferia, suas críticas estão dirigidas à cidade de Jerusalém e seus governantes:
Ai da rebelde, da manchada, da cidade opressora! Cidade que não escutou o chamado, que não aprendeu a lição. Ela não confiou em Javé, nem se aproximou do seu Deus. Seus oficiais são leões que rugem; seus juízes são lobos à tarde, que não comeram nada desde o amanhecer; seus profetas são uns fanfarrões, mestres de traição; seus sacerdotes profanam as coisas santas e violentam a lei de Deus (Sf 3,1-4).
Em seus oráculos, Sofonias emprega palavras duras contra os profetas do centro que se interessam pela manutenção da ordem social estabelecida da monarquia.
c) Jeremias: originário de Anatot, um dos centros da tradição tribal dos camponeses (1Rs 2,26), exerceu sua atividade profética entre os anos 627 a 582 a.C., acompanhando os cinco reis de Judá (Josias, Joacaz, Joaquim, Joaquin e Sedecias) e o governo de Godolias. Toda a documentação, escrita pelo grupo do profeta, indica que Jeremias estava ao lado dos camponeses e agiu como profeta periférico com relação à monarquia.
Ele entrou em conflitos com os governantes, foi torturado e condenado à morte (Jr 26,7-24; 37,15-16). Enfrentou Hananias, profeta do centro, que declarou guerra santa contra a Babilônia (Jr 28). Uma guerra desastrosa para a vida dos camponeses. Após a destruição de Jerusalém (587 a.C.), Jeremias permaneceu, em Masfa, no meio do seu grupo de apoio: “os pobres da terra”, camponeses explorados e empobrecidos (Jr 40). Masfa, antigo santuário de Israel, carrega a memória da sociedade tribal (cf. Jz 20,1; 1Sm 7,5; 10,17).
d) Ezequiel: formado na escola de Jerusalém, exerce sua atividade no meio dos primeiros exilados, familiares do rei Joaquin e altos oficiais, entre os anos 597-571 a.C. Com a necessidade e a expectativa do seu grupo de apoio, Ezequiel anuncia a presença de Javé no meio dos que foram exilados com o rei Joaquin: Javé abandona o Templo e Jerusalém e exila-se na Babilônia.
Com Javé, o profeta condena a atuação da corte do rei Sedecias como “mau pastor” (Jr 34) e acusa os pobres remanescentes na Judeia de tomar as terras deixadas pela elite (Ez 33,23-29). Para a reconstrução de Judá, Ezequiel profetiza a restauração da monarquia com o novo Davi, um só santuário e a nova Jerusalém (Ez 37,15-28).
e) Segundo Isaías (Is 40-55): um grupo profético de levitas que atua no meio dos pobres despojados e escravizados na segunda deportação (587 a.C.). São descendentes de levitas, pregadores itinerantes e sacerdotes do interior; sustentados pelos camponeses, foram trazidos à força para Jerusalém para trabalhar, como sacerdotes de segunda categoria, no templo (cf. 2Rs 23,8-9). Com base em sua formação e nas expectativas dos pobres exilados na Babilônia, o Segundo Isaías anuncia: 1) novo êxodo, a libertação dos escravos (Is 43,16-19); 2)
Deus pastor de ternura e compaixão com seu povo (Is 40,11; 49,15-16); 3) Servo sofredor, liderança baseada no amor, na gratuidade, na não violência, na justiça e, sobretudo, no maior carinho com os sofridos (Is 42,1-9); 4) nova aliança, a aliança entre Deus e toda a comunidade com o projeto de partilha e solidariedade (Is 55,1-3); 5) nova Jerusalém com justiça (Is 45,8).
A Bíblia ainda registra outros profetas, como Habacuc, Abdias, Ageu, Zacarias e tantos outros profetas e profetisas na história de Judá. E a profecia chega ao tempo de Jesus de Nazaré, homem judeu, criado no interior da Galileia, que experimenta, na própria pele, a dureza da vida do seu povo, o qual sofria com a exploração, a opressão e a violência do poder civil e religioso: os impostos e a presença do exército romano, a extorsão e a ladroagem dos líderes religiosos de Jerusalém (Lc 3,10-14).
Fome, miséria e doenças eram males constantes, o que fez Jesus, homem justo e sensível à realidade, “profetizar” contra as autoridades de sua época. É o profeta da periferia da Galileia, desafiando a ordem social estabelecida: “Felizes vocês, os pobres, porque de vocês é o Reino de Deus. Felizes vocês, que agora têm fome, porque serão saciados” (Lc 6,20-21). Jesus foi perseguido, torturado e assassinado. Sua morte é o resultado do que pregou e do que fez a serviço da vida do povo sofrido; da fidelidade à missão do Pai e do compromisso com os irmãos até o fim.
- Uma palavra final
Ontem e hoje, o seguimento de Jesus Profeta é um desafio: “Se alguém quiser seguir após mim, negue-se a si mesmo, carregue sua cruz e me siga” (Mc 8,34). Um dos homens do nosso tempo que denunciou a injustiça e carregou a cruz junto com seu povo sofrido foi dom Oscar Romero, que nos deixou sua mensagem profética: