No processo de espoliação, os grandes proprietários de terras contavam com o apoio de um grupo de profetas acusados de aproveitadores: “anunciam a paz quando têm algo para mastigar” (Mq 3,5b); ou seja, eles proclamam oráculos em troca de pagamentos ou em vista de seus ganhos pessoais. “Filho do homem, profetize contra os profetas de Israel. Profetize, e diga aos que profetizam conforme seus próprios interesses.
Vocês me profanam diante do meu povo, por um punhado de cevada ou um pedaço de pão, destinando à morte quem não devia morrer, e destinando à vida quem não devia viver. Desse modo, vocês enganam meu povo que dá ouvidos à mentira” (Ez 13,2.19): assim fala mais tarde o profeta Ezequiel sobre a atuação dos profetas oficiais, funcionários da corte.
Eles anunciam o que as pessoas poderosas querem ouvir. Esses mesmos profetas “declaram guerra contra os que nada lhes põem na boca” (Mq 3,5c). Quem são eles? São profetas, adivinhos e videntes, cuja função é dar sustentação ao projeto dos poderosos de Jerusalém (Mq 3,7a). Miqueias afirma que os profetas da corte “extraviam meu povo” (Mq 3,5a), provavelmente agricultores endividados e oprimidos, chamados de “meu povo”, que perdem sua terra, família e casa (Mq 2,8-9; 3,3).
O verbo “extraviar”, ta‘ah em hebraico, significa “levar à ruina”. Os falsos profetas, com suas palavras, enganam, seduzem e extraviam o povo, levando-o à desgraça e à perdição: camponeses sem-terra, família e casa. As mesmas acusações contra a atuação enganosa dos profetas encontramos no livro de Isaías, profeta desse mesmo período: “Povo meu, seus dirigentes o desnorteiam, invertem a direção do seu caminho” (Is 3,12b); em outra passagem ouvimos: “O ancião e o dignitário são a cabeça; e o profeta, mestre de mentiras, é a cauda.
Os que dirigem esse povo o extraviam, e os que se deixam guiar ficam aniquilados” (Is 9,14-15). Os falsos profetas atuam na corte, extraviando o povo em favor dos poderosos e legitimando o projeto dos governantes do Estado (Mq 2,6-11). Pois eles se apoiam em Javé oficial, do templo de Jerusalém, e se vangloriam de verdadeiras palavras de Deus (Mq 3,11).
Vendo seus próprios interesses legitimados, os poderosos enchem as mãos de seus profetas; no entanto, a profecia deles cairá no vazio: “terão noite em lugar de visões; escuridão em vez de oráculo. O sol se esconderá sobre esses profetas, a luz do dia se apagará sobre eles” (Mq 3,6). É interessante observar que se usam quatro metáforas – “noite”, “escuridão”, “sol escondido” e “luz apagada” – para afirmar que os profetas ficarão sem receber nenhuma revelação, ou seja, não poderão exercer sua atividade. Eles serão humilhados: “os videntes ficarão envergonhados, os adivinhos ficarão confusos. Todos cobrirão a barba, porque Deus não responderá” (Mq 3,7). Cobrir a barba significa luto (Lv 13,45; Ez 24,17).
O Deus da Vida não responde à profecia dos profetas da corte. Em contraste, Miqueias apresenta suas referências: “Eu, porém, estou repleto de força, do Espírito de Javé, do direito e da fortaleza, para denunciar a Jacó o seu crime e a Israel o seu pecado” (Mq 3,8). Ele se considera um enviado pelo Espírito de Deus para defender o “meu povo”, que está sendo vítima de várias formas de opressão. É a força do Espírito de Javé que conduz a missão do verdadeiro profeta para que restabeleça o “direito” aos pobres e oprimidos. Que esse mesmo Espírito nos impulsione em nossa caminhada e que possamos estar com os empobrecidos na busca de um mundo justo e fraterno.
- Profetas do centro e da periferia
As grandes religiões do mundo antigo atestam que algumas pessoas serviam de intermediários entre o ser humano e a divindade. No Antigo Oriente Próximo, nos países vizinhos a Israel, há vários documentos que provam a existência de videntes e profetas servindo a seus reis. As cartas de Mari, do Eufrates, por exemplo, contêm referências a vários tipos de intermediários proféticos.