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A profecia está a serviço de quem?
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A profecia está a serviço de quem?

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Em 1Rs 18,20-22, lemos: “Acab convocou todos os filhos de Israel e reuniu os profetas no monte Carmelo (…). Elias continuou: ‘Fiquei sozinho como profeta de Javé, enquanto os profetas de Baal são quatrocentos e cinquenta’”. Mais ainda, o mesmo livro testemunha: “O rei de Israel (Acab) reuniu os profetas, cerca de quatrocentos homens, e lhes perguntou: ‘Será que eu devo ir a Ramot de Galaad para fazer essa guerra, ou vou desistir?’” (1Rs 22,6). O rei consulta os profetas que vivem na corte.

Desde o final do reinado de Jeroboão II até a queda da Samaria (743-722 a.C.), Oseias exerceu sua atividade no reino do Norte e se defrontou, também, com os sacerdotes e profetas da corte: “Ainda que ninguém acuse, que ninguém conteste, eu levanto acusação contra você, sacerdote! Você tropeça de dia, o profeta tropeça com você de noite, e você faz perecer sua própria mãe” (Os 4,4-5). Oseias acusa o sacerdote e o profeta de não instruírem o povo segundo a “lei de Deus” (Os 4,6-10). A serviço do Estado, os profetas estão desviando o povo.

Os textos bíblicos sobre os profetas da corte se multiplicam. Segundo esses textos, podemos enumerar várias funções e características dos profetas a serviço do Estado:

a) viver sustentados e subordinados à corte: “comem das mãos do rei”;

b) instruir o povo conforme as leis do Deus oficial do Estado;

c) interpretar a vontade do Deus do rei diante da situação de emergência. No caso de guerra, por exemplo, o profeta justifica e declara a guerra santa, quase sempre legitimando os interesses dos poderosos.

Nessas funções do profeta da corte, podemos entender a declaração de Amós: “Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta”. Amós declara que não pertence ao grupo profético da corte. Não vive na corte nem está subordinado às autoridades; ao contrário, vive no meio popular e defende os direitos do povo. É o “profeta popular” que se forma no meio do povo e denuncia a injustiça social, a qual empobrece, explora e massacra seus irmãos camponeses. Por isso, ele entra em confronto com as autoridades e os profetas oficiais. Esse conflito também está presente na história do reino do Sul, Judá, como no caso da vida de Miqueias.

Diante da espoliação e da desapropriação injusta da herança (terra e casa), Miqueias “profetiza”, denunciando as autoridades e as acusando de “cobiçar, roubar, tomar e oprimir” os pobres do campo (Mq 2,1-3). Como era de esperar, os profetas da corte reagem e “profetizam”, defendendo suas autoridades:

Eles profetizam: “Não profetizem, não profetizem essas coisas! A desgraça não cairá sobre nós. Porventura a casa de Jacó foi amaldiçoada? Acabou a paciência de Javé? É isso que ele costuma fazer? Por acaso a promessa dele não é de bênção para quem vive com retidão?” (Mq 2,6-7).

Os profetas da corte insistem que a conduta de suas autoridades é justa, conforme as leis de Deus. Eles se sentem fiéis a Javé oficial e acreditam que Deus está do lado deles, no templo da cidade santa, Jerusalém. Cultivam a convicção de que nenhuma desgraça lhes acontecerá, dizendo: “Por acaso, Javé não está no meio de nós? Nada de mal nos poderá acontecer!” (Mq 3,11). Os profetas da corte ensinam o povo conforme as leis do Deus do Estado e os interesses dos poderosos de Jerusalém.

Mas Miqueias rebate e desmonta a defesa dos profetas da corte, apresentando a realidade nua e crua do povo sofrido e oprimido pelo Estado (Mq 2,8-9), e critica os profetas da corte: “Se aparecesse um homem contando estas mentiras: ‘Eu lhes profetizo vinho e bebida forte’, este, sim, seria um profeta para este povo!” (Mq 2,11). Miqueias acusa os profetas oficiais de profetizar com “vinho e bebida forte”, ou seja, na alienação e luxo (Am 4,1). A denúncia contra os profetas da corte ganha maior força e profundidade em Mq 3,5-8.

  1. O sol se esconderá sobre esses profetas…
    No século VIII a.C., o processo de espoliação e desapropriação da terra estava em pleno andamento. A maioria das terras de Judá já pertencia aos grandes proprietários, que viviam em Jerusalém. O povo sofria a violência e a exploração da elite agrária e dos governantes. Cobiçar, oprimir, roubar e tomar a terra e casa dos camponeses fazia parte do dia a dia, sobretudo na planície fértil de Shefelá, a terra de Miqueias (Mq 2,1-2). “Vocês são gente que devora a carne do meu povo e arranca suas peles; quebra seus ossos e os faz em pedaços, como um cozido no caldeirão”, denunciou Miqueias (Mq 3,3).

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