Jesus Cristo é o Deus verdadeiro! Eis a declaração de uma comunidade cristã que passa por grave crise interna e externa. Em seu interior, ela enfrenta o grupo de dissidentes – anticristos e falsos profetas (cf. 1Jo 4,1-3) – que nega o Jesus da história como o Filho de Deus (cf. 1Jo 2,22; 4,15), não pratica os mandamentos – o amor ao próximo (cf. 1Jo 2,3-11) – e seduz os fiéis para o mundo do Maligno (cf. 1Jo 4,5). Exteriormente, a comunidade sofre com a perseguição do mundo do Império Romano e, ao mesmo tempo, sente a forte sedução do mundo dos maus desejos e do dinheiro, simbolizados pelos “ídolos” (cf. 1Jo 2,15-16). Há desentendimentos e conflitos na comunidade.
O autor da primeira carta de João quer fortalecer a fé e o ensinamento tradicional dos cristãos (cf. 1Jo 1,3-4; 2,7), para não serem seduzidos pelos anticristos e falsos profetas. Para tanto, insiste no ensinamento e no projeto da comunidade, expressos pelos seguintes termos, que retratam a realidade comunitária, no resumo conclusivo da carta: o Verdadeiro, Jesus Cristo, os ídolos, os filhos de Deus e a vida eterna.
a) O Verdadeiro. Deus é o único verdadeiro, conhecido pelo que ele é: vida e amor. Desde o princípio, Deus é fonte da vida (cf. 1Jo 1,1). Ele, que é amor (cf. 1Jo 4,8), cria todo o universo para que todas as coisas tenham vida real, sólida e durável (cf. Gn 1,1-2,4a; Sb 1,13-14). Por isso, só no amor todos os seres vivos permanecem em comunhão com Ele: “Deus é amor: quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus permanece nele” (1Jo 4,16). O amor de Deus e o amor ao próximo, assim, estão interligados: o amor de Deus se concretiza no amor ao próximo, para que todas as pessoas tenham a vida em plenitude (cf. Jo 10,10).
b) Jesus Cristo. “Nisto se tornou visível o amor de Deus entre nós: Deus enviou seu Filho único ao mundo, para podermos viver por meio dele. É nisto que está o amor: não é que nós tenhamos amado a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou seu Filho para expiação de nossos pecados” (1Jo 4,9-10). O amor de Deus se revela e se concretiza na vida de Jesus feito carne (cf. 1Jo 4,2), no qual a manifestação do Deus amor se torna histórica, palpável e testemunhada (cf. 1Jo 1,1-4).
Em sua vida, Jesus é verdadeiro ser humano que sofre e morre na cruz, por amor ao próximo, até o fim. A salvação de Deus, assim, realiza-se na carne e no sangue do Jesus da história, o Filho de Deus, o amor encarnado: “Se vocês não comem a carne do Filho do homem e não bebem o seu sangue, não têm a vida em vocês” (Jo 6,53).
c) Os filhos de Deus. “É assim que se manifesta quem são os filhos de Deus e quem são os filhos do diabo: todo aquele que não pratica a justiça, quem não ama seu irmão, não é de Deus” (1Jo 3,10). Os cristãos são chamados de “filhos de Deus”, pois praticam a obra do Deus do amor e da justiça, seguindo os passos de Jesus Cristo, que nos revela Deus como amor e testemunha que o amor é o caminho, a verdade e a vida. A obra do amor e da justiça dos cristãos se manifesta sobretudo na vida comunitária.
Na primeira carta de João, não são mencionados termos como hierarquia, organização, autoridade, relação de senhor e de súdito, porém observam-se alusões à comunhão com Deus e à unidade da comunidade: “Deus é luz, e nele não há trevas. Se dizemos que estamos em comunhão com Deus, e no entanto andamos nas trevas, somos mentirosos e não praticamos a verdade. Mas, se caminhamos na luz, como Deus está na luz, então estamos em comunhão uns com os outros” (1Jo 1,5-7a).
d) Os ídolos. “Filhinhos, fiquem longe dos ídolos!” (1Jo 5,21). Para o livro do Apocalipse, escrito na mesma época e região de 1Jo, o termo “ídolo” (eídolon, em grego) é, antes de tudo, o mundo do Império Romano, com seus deuses e seduções: “Não deixaram de adorar os demônios, os ídolos de ouro, de prata, de bronze, de pedra e de madeira, não podem ver, nem ouvir, nem andar. E não se arrependeram de seus homicídios, feitiçarias, prostituições e roubos” (Ap 9,20b-21). Na primeira carta de João, há alertas para resistir ao mundo: “Não amem o mundo nem o que há no mundo.
Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele” (1Jo 2,15); “E não fiquem espantados, irmãos, se o mundo odeia vocês” (1Jo 3,13); “Porque todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo. E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (1Jo 5,4). A fé ativa no Deus que é amor e age por amor, no Deus da vida e no amor de Jesus Cristo leva os cristãos a viver na comunhão com o próximo, assegurando a construção do Reino da vida, oposto ao mundo do Império Romano, o mundo do Maligno (cf. 1Jo 2,14).