O projeto do Reino de Deus tem uma abrangência que envolve a totalidade da existência humana. Para compreender seu alcance, é preciso levar em consideração a concepção bíblica da História: um processo aberto, irreversível e orientado para uma consumação final. Aqui há duas dimensões a serem levadas em consideração: a antropologia e a teologia. Elas não são alternativas e nem complementares: são as duas faces da mesma moeda. Em nível de antropologia, a História está marcada pela continuidade e seu autor é o homem. Em nível de teologia, a História está marcada pela novidade e seu autor é Deus.
Na bipolaridade antropoIogia/teologia, é possível dizer, ao mesmo tempo e com autenticidade, que o homem é o autor da História e que Deus é o autor da História. No universo dos fatos históricos, o homem é realmente o protagonista. Cabe a ele a responsabilidade de desencadear forças sociais no sentido de viabilizar historicamente o Reino de Deus. A História, por conseguinte, se faz com compromisso, participação e responsabilidade. No universo das significações Deus é o verdadeiro protagonista. No próprio coração dos fatos históricos enraíza-se uma transcendência significativa: por ela o homem é levado a viver uma plenitude de vida que em muito supera seu nível de produção.
Compreendendo de forma unitária essas duas dimensões, chegaremos à seguinte conclusão: no compromisso libertador do homem se faz presente a Graça salvadora de Deus. Mas se nem os fatos estão destituídos de significação, e se nem as significações têm existência própria separadamente dos fatos, a conclusão é a de que a experiência da salvação está ligada ao compromisso com a libertação. Aplicando estas conclusões ao tema que nos ocupa nesta reflexão, poderíamos dizer que o projeto do Reino de Deus convida o homem a um compromisso de partilha nas relações históricas. Nesta partilha realiza-se a Graça da Comunhão.
A experiência do compromisso histórico, no entanto, situa o homem de forma realista frente à ambiguidade de todas as concreções doprojeto do Reino de Deus. A cada experiência gratificante segue-se uma insatisfação que brota de um desejo de mais vida. É a transcendência significativa de que falávamos mais acima. É a Graça de Deus interpelando o homem a caminhar numa atitude de abertura incondicional ao novo da História. As várias formas de partilha, por mais gratificantes que possam ser, permanecem defasadas por referência à utopia. Continuará esse processo indefinidamente? Estará o homem condenado a ser incessantemente traído em sua aspiração de uma partilha plena?
Uma resposta a esta questão não poderá ser deduzida da própria História. Aqui entra em ação um dado de fé como a priori não demonstrável. Há os que, numa perspectiva de fé antropológica, acreditam que a responsabilidade histórica do homem levará um dia ao surgimento, na História, de uma sociedade sem classes que assegure uma efetiva partilha. É o caso dos marxistas.
Mas há também os que, numa perspectiva de fé teológica, acreditam que, a partir da responsabilidade histórica do homem, Deus gratuitamente assegure uma plenitude de comunhão para além da História. É o caso dos cristãos. É nesta última perspectiva que se insere o projeto do Reino anunciado por Jesus. Nele a responsabilidade da partilha e a Graça da Comunhão são as duas margens de um mesmo rio.