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Reino de Deus: Reino de partilha
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Reino de Deus: Reino de partilha

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Não temos condições, no espaço que nos é reservado, de abordar de forma detalhada os valores fundamentais do Reino que foram elencados mais acima. Estaríamos, inclusive, fugindo aos propósitos que orientam estas reflexões. Poderíamos, inicialmente, nos perguntar qual a posição que ocupa o valor da partilha no projeto do Reino de Deus. Confiamos em não estarmos pecando por exagero ao afirmar que a partilha dos bens ocupa uma posição de primeiro plano no anúncio de Jesus. Há em seu ministério um clima geral de fraternidade e comunhão que faz de sua vida um serviço até o sacrifício da própria vida.

Há, ainda, a revelação da face do Pai que a todos ama de forma incondicional, sem acepção de pessoas. É ele que faz nascer o sol sobre os bons e sobre os maus e faz chover sobre os justos e os injustos (cf. Mt 5,45). Emerge aí uma das características mais originais e fascinantes do Evangelho: testemunho da Graça enquanto ausência de preconceito. O episódio de Zaqueu, nessa perspectiva, assume uma significação especial. A Graça incondicional, que não põe condições prévias, nem mesmo em termos de restituição dos bens roubados (acumulação fraudulenta), tem, como desfecho, um gesto de partilha superior à expectativa.

Zaqueu vivencia a dialética acumulação-partilha teologicamente, em termos de pecado-graça. Mas o dado primeiro não é seu compromisso de partilha, e sim a visita descompromissada gratuita de Jesus. Teologicamente, a Graça sempre precede a responsabilidade do homem. Poderíamos ainda citar a atitude geral de Jesus em relação à riqueza enquanto fator de bloqueio para se assumir as exigências do Reino em sua radicalidade. Ao proclamar na sinagoga de Nazaré que sua missão era de evangelizar os pobres e restituir a liberdade aos oprimidos, e ao declarar os pobres bem-aventurados porque deles é o Reino de Deus, Jesus explicita igualmente sua atitude em relação à riqueza:

“Ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação” (Lc 6,24). Em termos de clima geral merece destaque o relato das tentações no deserto. Embora se trate, ao que parece, de um episódio teológico, elaborado com a preocupação de testemunhar que ao longo de seu ministério, e principalmente no Mistério Pascal, Jesus venceu também a tentação do poder e da riqueza, ele, de todo modo, atesta a compreensão que a Igreja primitiva teve a respeito da tensão entre a acumulação da riqueza e os valores do Reino na atuação de Jesus.

Particularizando um pouco mais a postura de Jesus frente à acumulação e à partilha, duas referências nos parecem suficientemente eloquentes: o episódio do homem rico (Mc 10,17-22; Mt 19,16-22) e a parábola do rico insensato (Lc 12,16-21). O homem rico, frente ao anúncio de Jesus, sente-se interpelado a uma radicalidade de vida. Nem mesmo a observância dos mandamentos lhe parecia suficiente para satisfazer sua sede de mais vida. A esse respeito, Marcos acrescenta um pequeno detalhe, ausente no relato de Mateus, e que revela a autenticidade da inquietação e da busca desse homem: “Fitando-o, Jesus o amou..” (v. 21).

A reação de tristeza e a saída pesarosa re­velam um dado fundamental de antropologia: na organização da vida humana, a partilha dos bens econômicos é a medida de todas as outras formas de partilha. Em outras palavras, na raiz da deformação das relações sociais há sempre uma deformação das relações econômicas. Compreende-se, dentro dessa perspectiva, a reação desolada de Jesus: “Como é difícil a quem tem riquezas entrar no Reino de Deus” (v. 23).

A parábola do rico insensato traz igualmente indicações preciosas. Interpelado a resolver uma questão de partilha de herança (Lc 12,13-15) Jesus aponta para o sentido da vida: “Precavei-vos cuidadosamente de qualquer cupidez, pois, mesmo na abundância, a vida do homem não é assegurada por seus bens” (v. 15). A parábola vem a seguir e se constitui em resposta à interpelação quanto às consequências para quem faz da acumulação a preocupação fundamental da vida: “Mas Deus lhe diz: insensato, nessa mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as coisas que acumulaste, de quem serão?” (v. 20). O homem perde o essencial da vida justamente porque cede à tentação do caminho mais fácil, acumulando bens ao invés de reparti-los.

Na sequência do capítulo, Lucas mostra Jesus, fiel à radicalidade do Reino, apontando para a busca fundamental: “Depois disse a seus discípulos: Por isso vos digo: não vos preocupeis com a vida, quanto ao que haveis de comer, nem com o corpo, quanto ao que haveis de vestir. Pois a vida é mais do que o alimento e o corpo mais do que a roupa” (Lc 12,22-23).

Aqui, ainda uma vez, patenteia-se a preocupação de Jesus, que configura o essencial de sua missão, de levar o homem à plenitude do humano. Em oposição ao pecado das origens, a meta para a qual deve caminhar o homem não é a identidade com Deus, mas a explicitação das potencialidades humanas. Uma de suas expressões é justamente a partilha dos bens em vista da fraternidade.

C) O seguimento

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