O anúncio da Boa Nova está enraizado nas promessas de vida e retomada do projeto de Deus ao longo da história do povo de Deus. Lc 4,14-30 e Mt 11,2-6 traduzem, na vida de Jesus e de seus seguidores, a presença da era messiânica preanunciada pelos profetas. Jesus “desengaveta” um texto de 500 anos e mostra que o desejo de Deus, Iahweh, continua sendo a referência fundamental (cf. Is 61,1-3). A retomada do “Ano da graça do Senhor” indica toda a profundidade de sua prática e mensagem. Ela vai fundo, alicerçada na experiência do povo de Deus (cf. Lv 25,8-17 e Dt 15,1-23). Bebe também da luta do povo na reconstrução de Jerusalém (cf. Ne 5,1-11).
Esses textos nos orientam na compreensão de que o desejo do Pai, a vontade do Pai, é buscada por Jesus, sempre movido pelo Espírito, que o impulsiona a realizar o projeto de Deus na história da humanidade, estendendo-o também para toda a criação (cf. Rm 8,18-25). O Deus que salva é o mesmo Deus que cria. Não há oposição entre eles. Sua obra é obra de salvação, pois salva criando e cria salvando, no sentido de que a salvação é contínua criação. Por isso, o ser humano, homem e mulher, é convidado a cuidar da natureza, pois, neste cuidado com a criação, nós nos assemelhamos a Deus. Mas, se cuidarmos mal, estaremos nos aproximando da ação demoníaca.
c) “Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo” (Fl 2,5)
Jesus é Deus-conosco. O encontro com Jesus é encontro com Deus, comunhão de pessoas. Jesus se revela, revelando o Pai e o Espírito Santo, que o impulsiona na realização da obra do Pai-Mãe: “Devo anunciar a Boa Notícia (Evangelho) do Reino de Deus, porque para isso é que fui enviado” (Lc 4,43). Ele faz a obra do Pai-Mãe, movido pelo Espírito (cf. Lc 4,14-21).
Jesus chama a Deus de Pai, com coração de Mãe (Lc 11,1-4). Agradece ao Pai por sua opção pelos pobres e excluídos, oferecendo-lhes a sua intimidade e comunhão (Mt 11,25-26). Clama ao Pai (Abbá!) no momento do sofrimento (Mc 14,36.39). Deus Pai-Mãe ouve o grito dos seus filhos(as) (Ex 3,7-10). Ouve o grito do seu Filho muito amado! (Mc 14,32-42).
No Novo Testamento, podemos encontrar marcas desta bondade de Deus na própria pessoa de Jesus. Os termos usados pelos evangelistas mostram a profundidade do amor de Jesus para com o ser humano, que muito se aproxima do amor de Pai e Mãe (cf. Mt 9,36; Jo 1,14). Ele é chamado de Emanuel, Deus-conosco (Mt 1,23). Deus-conosco é o Deus da solidariedade, da compaixão.
O verbo evsplagcni, zomai, normalmente aplicado a Jesus ou a seu Pai, revela um amor de entranhas: “As splanchna eram as entranhas do corpo ou, como poderíamos dizer atualmente, as vísceras. Elas são o lugar onde estão localizadas as nossas emoções mais íntimas e mais intensas. Constituem o centro donde brota tanto o amor apaixonado como o ódio apaixonado. Quando os evangelhos falam da compaixão de Jesus como sendo movido em suas entranhas, eles expressam algo muito profundo e muito misterioso. A compaixão que Jesus sentia era obviamente muito diferente dos sentimentos superficiais ou passageiros de pesar ou de simpatia.