Jesus, por meio de sua prática, nos mostra quem é o Pai (Jo 1,18). Ele é o hermeneuta, o intérprete do Pai. É através do anúncio do Reino que descobrimos o Deus de Jesus, que é o Deus do Reino (Mc 1,14-15; MT 9,35-36; Lc 4,14-30; Mt 11,2-6; Lc 7,18-25). É sempre movido pelo Espírito que Jesus realiza a obra do Pai, mas com coração de Mãe (cf. Lc 13,34).
O Deus que Jesus nos anuncia, tem muito que ver com o Deus que oferece a salvação ao seu povo no Egito (Ex 3,7-10). O anúncio do Reino tem tudo que ver com o desígnio amoroso de Deus Pai-Mãe, expresso já no Antigo Testamento, onde Deus aparece como mais amoroso do que coração de Mãe: “Pode a mãe se esquecer do seu nenê, pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você” (cf. Is 49,14-15). Na verdade, a Bíblia nos diz que Deus é mais do que Mãe!
Daí a importância do enraizamento do anúncio do Reino feito por Jesus no Antigo Testamento, que revela o coração de Deus Pai-Mãe. Este Deus, Jesus o revela na oração do Pai-nosso (Mt 6,9-12; Lc 11,1-4): Chama-o de “Abbá” (Papaizinho!). Essa era a forma de as crianças chamarem os pais! Na verdade, esta concepção de Pai tem um sabor de coração de mãe, ou, então, de avô! Sempre doce, afável, com coração aberto, bem a gosto da parábola do pai amoroso de Lc 15,11-32. Essa imagem de Deus amante dos pequenos, dos deserdados, está também presente na oração de Jesus em Mt 11,25-26.
Esse falar de Deus a partir do humano tem suas raízes na tradição teológica. O Concílio de Toledo (675) afirma: “Devemos crer que o Filho não procede nem do nada nem de outra substância, mas que foi gerado ou nascido (genitus vel natus) do seio materno de Deus (de utero Patris), isto é, de sua substância”. L. Boff assim tenta nos explicar o sentido dessa definição: “A denominação de Pai a Deus não implica uma linguagem sexista. Bem compreendida, inclui também a denominação de Mãe, pois Pai significa o único princípio de geração. Esse princípio pode ser expresso pelo pai ou pela mãe, o que na geração humana corresponde à paternidade e à maternidade”.
Estamos diante de um Pai Maternal: “A doutrina trinitária do cristianismo e suas afirmações sobre o Pai materno representam um primeiro passo para superar o linguajar masculino na noção de Deus, sem recorrer a categorias matriarcais. Sua intenção verdadeira é chegar a uma comunidade de mulheres e homens sem subordinações ou privilégios. Na comunhão com o Primogênito “não há homem nem mulher, mas todos são um e herdeiros segundo a promessa” (Gl 3,28-29). Somente uma comunidade de pessoas libertada do sexismo e do domínio de algumas classes sobre as outras pode chegar a ser imagem do Deus uno e trino”.
Essa visão de um Pai Maternal e de uma Mãe Paternal articulada com o conceito de Deus Pai, certamente traria um equilíbrio maior no interior das relações eclesiais e também no interior das relações sociais. É um desafio que devemos enfrentar na catequese, nas homilias e, de modo especial, é a grande tarefa teológica, diante da emancipação da mulher em nossa sociedade. Tarefa bonita, mas ao mesmo tempo exigente.
b) Jesus retoma o desígnio de Deus Pai-Mãe presente na promessa de salvação no A.T