O significado de misericórdia na Bíblia

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Rahªmim o matiz do seu significado é um pouco diverso do significado de hesed. Enquanto hesed acentua as características da fidelidade para consigo mesmo e da “responsabilidade pelo próprio amor”; rahªmim denota o amor da mãe (rehem= seio materno). Do vínculo mais profundo e originário da unidade que liga a mãe ao filho, brota uma particular relação com ele, um amor particular.

Deste amor pode-se dizer que é totalmente gratuito, não fruto de merecimento, e que, sob este aspecto, constitui uma necessidade interior: é uma exigência do coração. Sobre este fundo psicológico, rahªmim dá origem a uma gama de sentimentos, entre os quais a bondade, a ternura, a paciência e a compreensão, florescem como prontidão para perdoar.

Convém contextualizar o termo hesed à família de palavras em hebraico que remete a três raízes: hânan, râham e hâsad. Os significados destes três termos no Antigo Testamento convergem para a tradução como “Misericórdia”, mas devido a riqueza e complexidade semântica aparecem, dependendo do contexto e tradução como bondade, benignidade, solidariedade, graça, lealdade…

Assim, começando pelo livro do Êxodo: “O Senhor, o Senhor, o Deus compassivo e clemente, paciente, misericordioso e fiel, que conserva a Misericórdia até a milésima geração…” (Ex 34, 6-7a).

Passando por Oséias, pelo capítulo 16 de Ezequiel, o Cântico dos Cânticos, o livro da Consolação (Is 54, 5-10 e Is 62, 4-5) “Tua terra será chamada desposada. Assim teu criador te desposará, assim encontrará em ti sua alegria”. Misericórdia que encontra na amorosa mãe uma imagem – como no capítulo 11 do livro de Oséias:

“Israel era ainda criança, e já eu o amava”; ou no capítulo 49 de Isaías: ”O Senhor chamou-me desde o meu nascimento; ainda no seio de minha mãe, Ele pronunciou o meu nome”; Is 49, 15: Mesmo que uma mãe se esquece-se do seu filho, nunca me esquecerei de ti. Is 66: “Sereis carregados no colo e acariciados no regaço”.

Na Misericórdia do Senhor para com os seus, manifestam-se todos os matizes do amor: Deus é para eles Pai (Is 63,16), dado que Israel é seu filho primogênito (Ex 4, 22); ele é também o esposo daquela a quem o Profeta anuncia um nome novo: “bem amada” (ruhama), porque será usada Misericórdia para com ela (Os 2,3).

Mesmo quando o Senhor, exasperado pela infidelidade do seu povo, decide acabar com ele, são ainda a compaixão e o amor generoso para com os seus que o levam a superar a sua indignação (Os 11,7-9).

E então, torna-se fácil compreender a razão pela qual os salmistas, ao quererem cantar ao Senhor os mais sublimes louvores, entoarão hinos ao Deus do amor, da compaixão, da Misericórdia e da fidelidade (Sl 103).

De tudo isso se deduz que a Misericórdia, além de fazer parte de Deus, é algo que caracteriza a vida de todo o povo de Israel e de cada um dos seus filhos e filhas: é o conteúdo da intimidade com o seu Senhor, o conteúdo do seu diálogo com Ele. Precisamente sob este aspecto, a Misericórdia é apresentada em cada um dos Livros do Antigo Testamento com uma grande riqueza de expressões.

Deste modo, a Misericórdia se contrapõe, em certo sentido, à justiça divina; e revela-se em muitos casos, não só mais potente, mas também mais profunda do que ela. Já no Antigo Testamento se ensina que, embora a justiça no homem seja autêntica virtude e em Deus signifique a perfeição transcendente, contudo o amor é “maior” do que a mesma justiça; e é maior no sentido de que, relativamente a ela, é primário e fundamental.

A Misericórdia motiva a prece e fundamenta a confiança do povo de Israel. Adia o castigo, mitiga-o e até mesmo o suspende, e triunfa libertando o necessitado. A Misericórdia é o arco extremo que abrange todas as etapas históricas e estabelece a última: porque a Misericórdia de Deus torna a conversão possível e a transformação do homem real.