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Ceilândia
Uma transformação profunda da Igreja não é viável sem uma nova compreensão da fé.
Colaboradores

Fé política

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Tradicionalmente impedido de ingressar na Igreja pela porta de frente por aqueles que dela se apossaram, transformando-a em casa própria (os mesmos que detêm o poder político e econômico), o pobre se infiltrou pela porta dos fundos. Esta irrupção causou e vem causando um sério mal-estar em determinados setores da Igreja. Isso porque o pobre veio para ficar, recuperando a casa que lhe fora roubada. É possível que algumas queixas das comunidades de centro em relação às comunidades de base provenham justamente desta agressão positiva do pobre que busca desesperadamente recuperar seu espaço.

Mas o fato mais relevante é que o pobre deixa de ser objeto de assistência para tornar-se protagonista da História. Encontrando-se na condição de vítima, ele se torna uma força realmente interessada em mudanças substanciais. A parábola do grande proprietário (Lc 12,16-21), que decide demolir seus celeiros para construir maiores e lá recolher o trigo e seus bens, mostra como o comportamento do rico é anti-histórico. Ele é muito ativo, mas tudo o que faz visa conservar. No fundo, ele se revela incapaz de fazer história porque não está aberto ao autenticamente novo. O novo céu e a nova terra irrompem na prática de Jesus em referência aos marginalizados.

b) A marginalização da Igreja
Este segundo acontecimento tem estreita ligação com o anterior e se apresenta, pelo menos em parte, como sua consequência. Rompendo a aliança com o Estado, que mediatizava sua expansão (situação de Cristandade), a Igreja tornou-se uma instituição marginal. Ao mesmo tempo em que assegurava suporte ideológico à situação existente, marcada de forma incisiva pelo privilégio, ela era uma espécie de consciência moral que exercia função de policiamento frente aos excessos nas opções políticas. Com o tempo, decresce enormemente sua força política e consequentemente sua capacidade de persuasão. Nas instituições políticas, os critérios de conveniência substituem os critérios éticos.

Fato interessante a ser observado, esta marginalização da Igreja cresce em estreita ligação com a tomada de consciência da injustiça institucionalizada e da necessidade de comprometer-se com a vida lá justamente onde ela se faz ouvir num desesperado clamor. Alijada do poder político, a Igreja assume positivamente a marginalização fazendo uma clara opção pelos marginalizados. Este passo configurou um autêntico processo de conversão cujas consequências não se tem ainda condições de prever.

O processo pode perder-se pelo caminho e não passar de uma veleidade passageira. Mas se vingar, consequências radicais deverão afetar a realidade da Igreja em sua estrutura, em sua teologia, em sua espiritualidade, em sua prática pastoral. Há quem levante a suspeita de que a opção pelos pobres seria uma forma de recuperar a hegemonia através de uma nova força emergente. Embora os indícios pareçam excluir esta intenção, é justo que a Igreja se questione seriamente para que isso de fato não venha a ocorrer.

c) A fé como práxis de vida nova
Os dois acontecimentos anteriores tiveram como consequência um repensamento em profundidade da fé, redescobrindo sua significação na prática de Jesus. Foge aos propósitos desta reflexão descrever e analisar o processo que vai da ortopraxia (correta prática da verdade) para a ortodoxia (correta formulação da verdade) como critério decisivo de fidelidade ao Evangelho. Esta passagem teve consequências enormes na compreensão e vivência da fé.

Cristão já não é aquele que pratica as exigências do Reino, mas o que nelas crê. Os reflexos desta passagem, ainda se fazem sentir em nossos dias. Temos aí, sem dúvida, uma das chaves de leitura dos processos inquisitoriais. Um pecado de ortopraxia pode ser facilmente perdoado por qualquer sacerdote no exercício normal do sacramento da penitência. Já um pecado de ortodoxia (sic!) submete o infeliz pecador a um processo frente às congregações romanas.

O terrível em tudo isso é que se perdeu o sentido profundo da prática de Jesus. Inserido no contexto da Apocalíptica, Jesus fala do grande julgamento que determinará a consumação da História (cf. Mt 25,31-46). Nele os homens não serão inquiridos a respeito de suas crenças ou de sua fidelidade aos artigos do credo, mas a respeito de sua fidelidade ao irmão: “Tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me” (vv. 35-36).

Se levarmos em consideração o desrespeito à pessoa humana que se manifesta em certos processos inquisitoriais, quem seria o réu e quem o juiz? As leis, bem o sabemos, são mediações dos valores. Uma vez que estes deixam de existir, cai-se fatalmente no formalismo legalista. Jesus passou os anos de seu ministério combatendo a moral farisaica, que assegurava a supremacia da lei (mediação) sobre o homem (valor).

Curioso e trágico é que a moral farisaica não se deu por vencida: ela deu a volta por cima e apossou-se das instituições eclesiásticas. Sem desmerecer a importância decisiva da profissão de fé, a perspectiva de Jesus nos orienta para a prática da fé. Em consequência, a fé é essencialmente práxis de vida nova: “Eu vim para que tenham a vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10b).

2. resistência frente à fé política 

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